sábado, 16 de março de 2013

UMA IMAGEM ESCULPIDA NA CARNE





Breve Comentário de uma poesia cênica.

Ver novamente a senhorita Camille Claudel, após seis anos de sono, foi um “acorda para a vida”.  A força de uma mulher que, como muitos dos grandes franceses, foram trancafiados em sanatórios devido a força de suas palavras e de sua arte. Uma arte que pulsa vida, e que por isso, esta gravada, esculpida na carne, em cada pedaço da nossa musculatura que irrigada por sangue se faz vida. Um respirar. Um sufocar. Respirações. Sufocamentos. E a vida lutando e pulsando, fazendo-se poesia nesse embate.  


Ver novamente a senhorita Camille Claudel, após seis anos de sono, acordou-me do meu cochilo sobre a força da imagem. Sobre a conexão do invisível - alma, com o visível - corpo, proporcionando a reflexão que o invisível também se faz imagem. Discutindo a questão benjaminiana da aura no objeto, afastando-nos do conceito da tautologia - da objetividade desse objeto, que no caso é corpo da atriz, porém não é um corpo-objeto dado apenas às funções vitais de um corpo em movimento, trata-se de um corpo-mente-pensamento-alma, um corpo aurático e repleto de subjetividade que impulsiona assim, a força na criação das imagens. Vemos em cena o preenchimento de uma atriz, que mesmo parada, nos presenteia com a subjetividade de sua força, da força de uma Camille, de uma Zuzu e de tantas outras mulheres que como tal, foram subjugadas em nossa sociedade.
















Ver novamente a senhorita Camille Claudel, após seis anos de sono, deixou-me fragilizado, com um embargo no peito e uma vontade imensa de gritar um grito capaz de fazer tremer as montanhas da Cidade Maravilhosa. Por vezes, emocionei-me assistindo, ontem, a senhorita Claudel. Por vezes, inquietei-me. Por vezes, deixei o meu corpo ser esculpido por sua força poética. Por vezes, minhas carnes gritavam e tornavam-se forma, ora areia, ora barro indo ao fogo, ora figura modelada e rígida sendo contaminado com a força das imagens que se transmutavam no palco e vinham de encontro com a plateia, fazendo o acontecimento teatral se tornar realidade.


Ver novamente a senhorita Camille Claudel, após seis anos de sono, foi presenciar um ritual acontecer em cena aberta. Um ritual e o seu contágio, sua contaminação. Um ritual de imagens que vão sendo postas para que o público componha as suas metáforas e complete a sua força. Um ritual de imagens composto e decomposto em ações. Em um dado momento, vemos o palco vazio de vida (humana), apenas com os objetos da cena - compondo um quadro harmônico na desarmonia -, que seriam apenas objetos, se nos prendêssemos a visão tautológica da coisa. Mas embora a cena esteja vazia da presença humana, aqueles objetos que compõem o cenário estão cheios de vida humana, de aura, de uma vida que os tornam imagem visível para além do seu significado coletivo. A força da imagem desse quadro, dessa pintura ou dessa paisagem vazia, faz-nos sentir a presença. Naqueles objetos, também vemos ações. O presente no ausente. O visível no invisível. O homem que se faz carne na sua ausência e no silêncio.



















Ver novamente a senhorita Camille Claudel, após seis anos de sono, fez-me lembrar de Lulu em suas Certas Coisas “Não existiria som, se não houvesse o silêncio. Não haveria luz, se não fosse a escuridão. A vida é mesmo assim, dia e noite, não e sim...”. So existiu o sentar, porque existiu o ficar em pé. Sentamos para nos deixar ser moldados pela senhorita Claudel durantes os sessenta minutos cronológicos de sua saga no palco. E depois do sentar, ficar em pé se tornou uma ação tão difícil... bater palmas parecia espetar as mãos em espinhos, por um tempo não queria voltar para a realidade, queria continuar respirando aquele encontro e permanecer mais um pouco com a imagem se esculpindo em carne. 


Tomaz de Aquino
Rio de Janeiro, 16 de março de 2013.


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